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domingo, 14 de abril de 2013

Como surgiu a lei 4024/61 -a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira.?

Em 1961, surgiu a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a Lei 4024/61 ou simplesmente LDB/61, como resultado do trabalho de dois grupos com orientações de filosofia partidária distinta. Os estatistas eram esquerdistas e defendiam que a finalidade da educação era preparar o indivíduo para o bem da sociedade e que só o Estado deve educar. Os liberalistas eram de centro/direita e defendiam os direitos naturais e que não cabe ao Estado garanti-los ou negá-los, mas simplesmente respeitá-los. Após quase 16 anos de disputa entre essas correntes, as idéias dos liberalistas acabaram representando a maior parte do texto aprovado pelo Congresso. A LDB/61 trouxe como principais mudanças a possibilidade de acesso ao nível superior para egressos do ensino técnico e a criação do Conselho Federal de Educação e dos Conselhos Estaduais, num esquema de rígido controle do sistema educacional brasileiro. A demora para aprovação da LDB/61 trouxe-lhe uma conotação de desatualização e, logo após sua promulgação, outras ações no âmbito de políticas educacionais públicas surgiram, desta vez, inseridas no cenário político de domínio militar. Por exemplo, em 1968, a Lei 5540/68 criou o vestibular e, em 1971, surgiu a Lei 5692/71, conhecida também como LDB/71, cuja função foi atualizar a antiga LDB/61, como resultado do trabalho de membros do governo indicados pelo então Ministro da Educação Coronel Jarbas Passarinho

MANIFESTO DOS PIONEIROS


Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
"Em nosso regime político, o Estado não poderá, decerto, impedir que, graças à organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por um privilégio exclusivamente econômico. Afastada a idéia de monopólio da educação pelo Estado, num país em que o Estado, pela sua situação financeira, não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância, as instituições privadas idôneas, a ‘escola única’ se entenderá entre nós, não como uma conscrição precoce arrolando, da escola infantil à universidade, todos os brasileiros e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15 anos, todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos."  
O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" consolidava a visão de um segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições ideológicas, vislumbrava a possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação. Lourenço Filho, um dos signatários do ManifestoRedigido porFernando de Azevedo, o texto foi assinado por 26 intelectuais, entre os quais Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles. Ao ser lançado, em meio ao processo de reordenação política resultante da Revolução de 30, o documento se tornou o marco inaugural do projeto de renovação educacional do país. Além de constatar a desorganização do aparelho escolar, propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e defendia a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. O movimento reformador foi alvo da crítica forte e continuada da Igreja Católica, que naquela conjuntura era forte concorrente do Estado na expectativa de educar a população, e tinha sob seu controle a propriedade e a Escola pública em Minas Gerais.orientação de parcela expressiva das escolas da rede privada.
A escola integral e única proposta pelo manifesto era definida em oposição à escola existente, chamada de "tradicional". Assim conceituava o manifesto a "escola ou educação nova": "A educação nova, alargando sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar ‘a hierarquia democrática’ pela ‘hierarquia das capacidades’, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de ‘dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento’, de acordo com uma certa concepção de mundo."
Coerentemente com essa definição da "educação nova", os educadores propunham um programa de política educacional amplo e integrador, assim registrado no manifesto:
"A seleção dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à universidade, a equiparação dos mestres e professores em remuneração e trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em todos os graus e a reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital, constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador que modifica profundamente a estrutura íntima e a organização dos elementos constitutivos do ensino e dos sistemas escolares."

UM OLHAR SOBRE O MANIFESTO DOS PIONEIROS NA ESCOLA NOVA


OLHAR SOBRE O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA
Maria Lúcia Wochler Pelaes[1]
RESUMO
O artigo apresenta uma breve análise do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932, o qual tem sido fonte de recente estudo historiográfico sobre educação, por indicar a grande importância que tem enquanto um objeto fundador de discussão sobre o sistema de educação pública no Brasil.
O Manifesto, objeto da análise aqui desenvolvida, constitui simultaneamente um plano de ação nacional visando à estruturação de um sistema educacional, e um documento emblemático, capaz de revelar um grande teor simbólico, transformando-se num lugar de discussão e reflexão sobre o ambiente político e social da primeira metade do século XX, mais especificamente dos anos 20 e 30.
Palavras-chave: Manifesto, Escolanovismo, Historiografia, Educação, Imaginação.
INTRODUÇÃO
No presente artigo é feita uma análise de parte do documento, sob o título de "O ponto nevrálgico da questão", que é apresentado, dentro do Manifesto, como um sub-item do tópico "O processo educativo - o conceito e os fundamentos da Educação Nova".

De forma geral, este fragmento do Manifesto aborda a importância de se estabelecer um sistema de ensino articulado em todos os seus níveis e graus, propondo que cada etapa seja visualizada como parte de um processo maior de formação educacional, observando que o sistema anterior apresentava tais etapas com fins em si, como se fossem estanques e terminais. Em específico, o texto citado refere-se ao ensino secundário, apresentado como um elemento fundamental nessa articulação, estabelecendo uma discussão sobre o sentido da educação secundária, como formação para o trabalho e/ou formação intelectual resultante de uma visão dualista, que reflete uma estrutura social onde prevalece a hierarquia de poder e acesso a educação.
Análise do Fragmento do Manifesto
Apresento a seguir a parte do Manifesto que será objeto de nossa análise, propondo uma interpretação voltada para uma análise discursiva, buscando apresentar que elementos perpassam o discurso, como possivelmente foram fundamentados e em que bases teóricas podem ser visualizados, explorando uma possibilidade de significação.
Segundo o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (apud XAVIER, 2002, anexo):
"A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não a receptividade, mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) até a Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (12 a 18), a ‘continuação ininterrupta de esforços criadores' deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimento, dos mesmos métodos (observação, pesquisa e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral ( 3 anos), par posterior bifurcação ( dos 15 aos 18), em seção de preponderância intelectual ( com os três ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração de matérias-primas ( escolas agrícolas, de mineração e de pesca), da elaboração das matérias- primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados ( transportes, comunicações e comércio).
Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia), enquanto a escola primária servia "a classe popular, como se tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária ou do 3º grau não forma apenas o reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o dualismo dos sistemas escolares. É ainda nesse campo educativo que se levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura geral e se põe o problema relativo à escolha do momento em que a matéria do ensino deve diversificar-se em ramos iniciais de especialização. Não admira , por isto, que a escola secundária seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário, levantando os obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das classes sociais, se inspira na necessidade de adaptar essa educação à diversidade nascente de gostos e a variedade crescente de aptidões que a observação psicológica registra nos adolescentes e que ‘representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior'. A escola do passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral dos conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o ‘método de sua aquisição', a escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já a diversidade crescente de aptidões e de gostos, já a variedade de formas de atividade social."
Introduziremos a análise partindo do primeiro trecho, do texto apresentado:
"A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano".
Nesse trecho podemos verificar a apresentação das etapas do sistema educacional, que serão posteriormente comentadas em função de se estabelecerem como partes fragmentadas de um todo. No aspecto prático da questão, na época o ensino tendia a ser terminal em cada etapa devido a grande evasão escolar e a precariedade do acesso ao sistema escolar, compondo uma estrutura segmentada, que provocava uma impossibilidade de continuidade nos estudos, abandonados nos primeiros anos ou ao término de cada etapa.
Ao citar os períodos do desenvolvimento natural humano, o Manifesto faz um menção direta aos estudos da Psicologia do final do século XIX e início do século XX, que fixavam etapas de desenvolvimento cognitivo, a partir de experimentos com testes de coeficiente de inteligência e criatividade, feitos em populações de diferentes faixas-etárias e contextos sociais.
Observando a seqüência do texto:
"É uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não a receptividade, mas à atividade criadora do aluno".
O fato de se apresentar como "uma reforma integral", caracteriza o aspecto inovador do Manifesto, que buscava estabelecer a base de uma educação nacional voltada para "uma política escolar e cultural que fosse o programa de governo, na parte educacional, para obra de reorganização do país[2]" . O Manifesto expressa, segundo Xavier (2002, p.94 - 95), "um momento significativo do processo de especialização e autonomização do campo educacional". Essa iniciativa configurava um objetivo central: a escola acessível e gratuita aos cidadãos, em todos os seus graus.
O próprio Manifesto constituía um "apelo" ao Estado e à sociedade, buscando uma ação nacional que mobilizasse a população em relação aos problemas sociais e gerasse vontade de mudança. Tal mudança, dentro do contexto de um novo governo, o governo Provisório de Getúlio Vargas, idealizava um plano geral de educação que promovesse uma organização da estrutura orgânica, com vistas a três eixos norteadores: a laicidade, a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino.
Um outro aspecto citado constitui o fato de ser um "apelo", "não a receptividade, mas a atividade criadora do aluno". Essa citação revela a necessidade de romper com os paradigmas anteriores, fundados no imobilismo e conformismo dos moldes educacionais, que antes correspondiam aos anseios de uma velha oligarquia republicana, e que, segundo o Manifesto, devem ser substituídos pela atividade criadora. Tal proposta foi resultante das inferências da Psicologia, possivelmente baseadas nos estudos de John Dewey, que teve uma influência marcante sobre Anísio Teixeira (1900-1971), um dos intelectuais da época, que assinaram o Manifesto, redigido por Fernando de Azevedo.
Quanto à figura de Anísio Teixeira e a influência de Dewey no movimento escolanovista, pode-se observar a citação de Bomeny (apud Estudos Históricos, 1993):
"Identificado com o modelo norte-americano da Escola Nova, pregaria ao longo da vida a emancipação do indivíduo, a liberdade de pensamento, o incentivo aos talentos e vocações individuais. O escolanovismo foi um movimento de renovação escolar que passou a ser conhecido pela adesão aos progressos mais recentes da psicologia infantil, que reivindicava uma maior liberdade para a criança, respeito às características da personalidade de cada uma, nas várias fases de seu desenvolvimento, colocando no "interesse" a centralidade do processo de aprendizagem. Era o que Dewey chamava a verdadeira revolução, "a revolução copernicana", em que o centro da educação e da atividade pedagógica passava a ser a criança, com seus motivos e talentos próprios, e não mais com a vontade imposta pelo educador".
Analisando outros aspectos, podemos verificar, na seqüência, a citação abaixo:
"A partir da escola infantil (4 a 6 anos) até a Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (12 a 18), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimento, dos mesmos métodos (observação, pesquisa e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas".
Neste fragmento do texto podemos verificar de fato a forte influência dos estudos de Dewey, sobre a infância, migrando para a educação alguns conceitos do processo de construção do pensamento científico, que, segundo Dewey (A Arte como Experiência; 1934), resulta da observação e análise de uma experiência, que evolui para o pensamento reflexivo. A experiência constitui fonte para o poder criador, inovador, que busca romper com o pensamento pré-estabelecido, desenvolvendo novas relações. Nesse sentido a experiência tem uma ligação intrínseca ao processo do pensamento e da inteligência, sendo a educação, para Dewey, um processo de construção contínua da experiência.
Conforme Falcão (1986, p.191):
"O norte-americano John Dewey (1859-1952) apresentou sua contribuição, durante todo um tempo em que a Psicologia se voltava mais para os psicólogos realizadores de experiências com os animais. A posição de Dewey sempre foi outra. Preocupava-se diretamente com a aprendizagem das crianças nas escolas e com a relação entre a escolarização, a aprendizagem e a vivência democrática na sociedade. Para ele aprender é aprender a pensar, e pensar é ‘inquirir, investigar, examinar, provar, sondar, para descobrir alguma coisa nova ou ver o que já é conhecido sob um prisma diverso'.[...] A criança pequena apresenta a semente do pensamento reflexivo através de uma atitude inata e espontânea de curiosidade.[...] Sua escola nova é aquela que o trabalho do professor, executado com seriedade e responsabilidade, respeita as características psicológicas da criança - como a necessidade de participação, de criação - e a orienta para a descoberta".
Dando continuidade à análise do trecho selecionado anteriormente, ao citar "a aquisição ativa do conhecimento", supõe o processo educativo decorrente da experiência individual baseada na aquisição de conhecimentos, não como um fim educacional exclusivo, mas como um eixo norteador de um processo voltado para as investigações científicas, que correspondiam aos anseios sociais da época, voltados para os novos avanços da ciência, vista como a única maneira de se chegar a racionalidade e ao desenvolvimento, correspondendo a um movimento ideológico de expressão mundial, presente no início do século XX.
Segundo Dewey (Vida e Educação, 1938), sobre a idéia de desenvolvimento do "espírito maduro", vendo na maturidade o objetivo final da educação, podemos verificar:
"A primeira condição para o crescimento é ‘imaturidade'. Não entendemos, porém, imaturidade como simples ‘ausência' ou ‘falta', mas como uma força de desenvolvimento. É o hábito de considerar a criança comparativamente, em relação ao adulto, que leva à concepção de que imaturidade é somente falta, privação: e crescimento, qualquer coisa que enche o intervalo entre o ser imaturo e o adulto. Tal idéia é contrária à realidade, porque, [...], o poder de crescer moral e mentalmente se conserva até a velhice. [...] Também essa concepção é a responsável mais imediata pela teoria de que a educação é simples preparação para a vida, _ teoria que justifica todo o isolamento e artificialismo com que se organiza a escola".
A concepção de maturidade, proposta pelo Manifesto caracteriza a idéia de um espírito científico, capaz de inferir a realidade.
Dando continuidade à análise, pode-se verificar que a escola secundária é apresentada como uma importante etapa para a formação técnica e superior, porém devendo contemplar, independente da especialidade, uma formação intelectual básica, a fim de caracterizar o curso, não como resultante de um divórcio entre o técnico e o intelectual, mas com a possibilidade de desenvolvimento intelectual e profissional, sem a exclusão de um ou outro. Vejamos:
"A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral ( 3 anos), par posterior bifurcação ( dos 15 aos 18), em seção de preponderância intelectual ( com os três ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração de matérias-primas ( escolas agrícolas, de mineração e de pesca), da elaboração das matérias- primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados ( transportes, comunicações e comércio)".
O objetivo era o de estabelecer um sistema educacional que contemplasse as diferenças regionais e de interesse e aptidões, cada vez mais requisitadas pela sociedade moderna, porém refletindo sobre o modelo de escola dualista, voltada para a formação de intelectuais e para uma educação produtora de mão- de- obra especializada e de cunho profissionalizante, como podemos verificar na citação abaixo, extraída do Manifesto:
"Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia), enquanto a escola primária servia "a classe popular, como se tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária ou do 3º grau não forma apenas o reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o dualismo dos sistemas escolares. É ainda nesse campo educativo que se levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura geral e se põe o problema relativo à escolha do momento em que a matéria do ensino deve diversificar-se em ramos iniciais de especialização. Não admira , por isto, que a escola secundária seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão".
Uma questão fundamental que faz do Manifesto um documento de natureza política, refletindo um imaginário social, como força reguladora da vida coletiva, se caracteriza pelo seu poder de trazer visibilidade a uma estrutura social que se organiza em torno de uma elite burguesa, dominante economicamente e culturalmente, e ao mesmo tempo, trazer a tona a força simbólica do movimento, que se estabelece como uma via de "salvação nacional".
No trecho a seguir, é possível observar a natureza da escola tradicional, que não atendia igualitariamente a todas as classes sociais, instituindo o acesso a determinado tipo de educação, à apenas a determinada classe social, pela própria natureza do ensino que preconizava. Obedecendo ao ideário de escola gratuita e acessível a todos, em todos os níveis, o Manifesto apresenta a continuidade do questionamento sobre um ensino fruto de uma ideologia dicotômica, como é possível verificar a seguir:
"Ora, a solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário, levantando os obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das classes sociais, se inspira na necessidade de adaptar essa educação à diversidade nascente de gostos e a variedade crescente de aptidões que a observação psicológica registra nos adolescentes e que ‘representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior'".
Cabe salientar três aspectos cruciais para a interpretação desse trecho do Manifesto: a questão da diversidade de gostos e aptidões, registrada pelos estudos psicológicos como é citado, e a questão dos adolescentes serem colocados no texto como "únicas forças capazes" e as expressões "arrastar" e "cultura superior".
Quanto à idéia de gostos e aptidões, corresponde a uma mudança no cenário da sociedade da época, voltada para uma crescente industrialização do país, criando espaços e necessidades que favoreciam a criação de novas profissões, paralela a necessidade de mão-de-obra especializada para a demanda das indústrias, voltadas para o desenvolvimento econômico nacional. Com isso, novas possibilidades iam surgindo e requisitando da educação escolarizada um ensino especializado, voltado para as necessidades do mercado de trabalho.
Conforme Xavier (2002, p.63):
"Ao defender a universalidade de acesso à educação em todos os seus ramos e graus a todos os cidadãos, independente das diferenças sociais e das diferenças de sexo (co-educação), a Educação Nova deixa predominar apenas as diferenças marcadas pela "aptidões naturais determinadas pelos caracteres biológicos de cada indivíduo" assegurando, dentro da instituição escolar, a possibilidade de preservação da personalidade individual em meio ao público que se constituía no interior da escola, para, em seguida, expandir-se pelos demais setores da vida social".
O Manifesto expressa uma visão moderna da educação, pela valorização da individualidade e da personalidade, buscando naturalizar um modelo de cidadão moderno, com uma personalidade individual e livre, reservando para a escola uma posição de neutralidade, frente às diferenças sociais. Esse aspecto confirmava uma idéia de Escola que influenciaria, por longos anos, o sistema educacional brasileiro, sendo lentamente substituído, nos anos 80, por uma idéia de Escola engajada nos problemas sociais da comunidade, sendo reconhecida progressivamente como um lugar de reprodução política das diferenças sociais.
Quanto à idéia de aptidão natural caracterizando a personalidade individual, provavelmente correspondia aos estudos da Psicologia, predominantemente inglesa e norte-americana, que estabelecia os resultados de testes, efetivando um maior conhecimento sobre as características da inteligência e da personalidade humana, influenciando o sistema educacional, através de uma visão psicobiológica do desenvolvimento educacional.
O fato de visualizar na juventude, uma única força capaz de mudar o país reflete a urgência de mudança da época, alicerçada num país novo, com uma população, predominantemente jovem, constituída também de imigrantes, que representavam uma grande força de trabalho e possibilidade de desenvolvimento para o país, como é possível notar na tônica do sistema de governo de Getúlio Vargas, fundado no slogan, do "trabalho como única possibilidade de progresso", visando estimular as classes trabalhadoras. Cabe lembrar que além de um contingente expressivo de imigrantes que favorecia um índice de população jovem, havia altíssimas taxas de mortalidade, principalmente infantil, engendrando, num grande projeto de reconstrução nacional, pós-revolucionário (Revolução de 1930), junto com o projeto educacional, um outro grande projeto, o sanitarista, visando a "higienização" moral e física do país, através da instituição de um sistema de medicina preventiva, atingindo a causa das doenças da época.
Quanto a expressão "arrastar", pode-se concluir que os educadores envolvidos no processo de redação do Manifesto, tinham na mudança e na renovação prevista, a possibilidade e a necessidade de um grande esforço contra os padrões da escola tradicional, representados pelas "forças conservadoras", que se antipatizavam com as idéias educacionais propostas pelos Pioneiros, inovadoras para a época.
A expressão "cultura superior", demonstra a visão de uma educação voltada para uma cultura erudita e legitimada por uma classe de intelectuais, que se estabeleceram no poder político e econômico da época. Cabe observar que os próprios pioneiros eram intelectuais burgueses que, em sua maioria, tiveram a possibilidade de estudar fora do país.
Fazendo uma análise do período, penso que a organização escolar, desde a República, recebe influência de modelos externos, como a filosofia positivista, no período citado. Também as reformas no sistema ocorrem de cima para baixo, isto é, é o governo sancionando leis e decretos a serviço das elites dominantes. No movimento escolanovista, tivemos a influência de Dewey, entre outros, relacionados ao modelo norte americano de educação. Mesmo o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, foi redigido por educadores que compunham os "intelectuais da educação", os quais, em sua maioria, realizaram seus estudos no exterior, como é o caso de Anísio Teixeira, que estudou na universidade de Colúmbia, nos EUA, e foi aluno de Dewey.
Finalizando a análise, com um último trecho:
"A escola do passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral dos conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já a diversidade crescente de aptidões e de gostos, já a variedade de formas de atividade social".
Observando este último trecho do Manifesto, referente a parte analisada, pode-se ressaltar a idéia da "escola do passado" como aquela que visa a "soma dos conhecimentos", resultante de uma visão de cultura humanística integral, difundida nos Liceus, pertencestes a Velha República.
Referindo-se a importância do método na aquisição do conhecimento, o Manifesto faz menção direta ao método científico, que corresponderia aos anseios da sociedade moderna, rumo a uma crescente industrialização, numa sociedade que instituí valores voltados para a vida urbana, influenciada pelo avanço da ciência e da técnica.
Encontramos nos estudos de René Descartes uma referência ao método, na sua obra mais famosa, Discurso Sobre o Método, afirmando que para se chegar ao conhecimento é preciso estabelecer a dúvida como método, pois o ato de duvidar permite ao homem comprovar a própria existência.
Finalmente pode-se concluir que o Manifesto apresenta uma proposta de educação voltada para um homem que se caracteriza cada vez mais como criador do seu destino e livre, atuando dinamicamente na sociedade, com a possibilidade de alcançar, pelo método científico, a capacidade de se adaptar às novas descobertas tecnológicas, frente ao rumo crescente da racionalização da cultura e da educação científica, voltada para uma formação técnica e individual, e para o mercado de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Manifesto documentou um importante movimento de renovação nacional, voltado para o estudo dos problemas educacionais brasileiros.
Neste sentido, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova tem sido retomado pela historiografia por representar um momento expressivo da luta pele implantação da escola pública, leiga e gratuita, e também por defender explicitamente em seu texto o reconhecimento da Educação como problema prioritário e responsabilidade do Estado.
Como fonte de análise do discurso, se constituiu como um objeto fundamental para a verificação das significações ideológicas que compõem a trama de um discurso e que podem revelar múltiplas possibilidades de análise.
Referências bibliográficas
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XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Bragança Paulista: Edusf/ CDAPH, 2002.
Bibliografia Auxiliar
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BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2002.
FREITAS, Marcos Cezar de et al. Memória intelectual da educação brasileira. 2. ed. Bragança Paulista: Edusf, 2002.
GUIMARÃES, Eduardo (Org). Produção e circulação do conhecimento: estado, mídia e sociedade. Campinas: Pontes, 2001, p.21-30.
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. 3. ed. Campinas-SP: Pontes, 2002.
SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra. São Paulo:Edusp, 1984.
TORRANCE, Ellis Paul. Criatividade: medidas, testes e avaliações. São Paulo: IBRASA, 1976.

[1] Este artigo é obra científica resultante de pesquisa realizada pela autora durante o curso de Mestrado em Educação (2003-2004). A autora é docente do ensino superior, cursos de graduação e pós-graduação, Mestre em Educação pela USF e Licenciada em Artes Plásticas pela FAAP. Leciona na Educação Básica e no Ensino Superior há 22 anos.
[2] Fernando de Azevedo (1964: 666)